Património mundial
Islamistas dizem que estão a "90% dos objectivos" de destruição
de Tombuctu
Por Ana Gomes Ferreira e Cláudia Carvalho
Não querem apenas destruir monumentos históricos na
região tuaregue. Querem conquistar todo o Mali
O
grupo islamista Ansar ed-Dine (Defensores do islão) derrubou ontem a porta
sagrada da mesquita Sidi Yahia de Tombuctu. Um porta-voz do grupo disse à BBC
que está quase concluída a missão de destruição dos monumentos do Norte do Mali
que não respeitam as regras do Islão.
"Estamos a 90% dos objectivos", disse o porta-voz desta rede fundamentalista salafita (regem-se pelas práticas dos primeiros muçulmanos), explicando que a lei islâmica (sharia) determina que os túmulos devem estar a um máximo de 15 centímetros acima do solo.
"Eles [combatentes islamistas] arrombaram a porta de entrada de uma das mesquitas classificadas (a de Sidi Yahia) e prometem destruir todos os lugares considerados sagrados, incluindo os cemitérios e os locais com símbolos artísticos", contou Lassana Cissé, do comité científico do ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e dos Sítios) e responsável pelo património mundial no Mali, que teme pela destruição total do património neste local classificado pela UNESCO.
No fim-de-semana a Ansar ed-Dine iniciou uma acção de destruição de monumentos históricos e classificados como património da humanidade em Tombuctu. Sete dos 16 templos foram danificados e alguns cemitérios porque, sob os túmulos de homens santos, foram edificadas mesquitas. O porta-voz lembrou ainda que os muçulmanos não devem venerar pessoas, ou seja, não há intermediários entre os fiéis e Alá e que existe um só profeta, Maomé. Os túmulos dos homens santos e a veneração que lhes é feita é, nesta visão radical, idolatria.
Os islamistas "querem destruir todo o património significativo ligado a um Santo ou uma tradição ancestral (crença em fenómenos sobrenaturais e lendas)". "A única razão é o extremismo religioso, o fanatismo e o obscurantismo cultural", afirmou Lassana Cissé, que falou com o PÚBLICO por correio electrónico.
A mesquita ontem profanada data do século XV - como a maioria dos monumentos desta cidade no Norte do Mali -, considerado o período de ouro de Tombuctu, quando esta era o centro intelectual do Islão e a mais importante cidade da rota das caravanas do deserto. Os muçulmanos acreditavam que quando aquela porta, nunca violada, fosse aberta, o fim do mundo estaria iminente.
"Isto é intolerável. O próprio profeta visitou estes túmulos", disse a procuradora do Tribunal Penal Internacional Fatou Bensouda, que é muçulmana e pretende iniciar uma investigação criminal. Situada às portas do deserto do Sara, Tombuctu fica a mil quilómetros da capital, e tem 30 mil habitantes. É património da humanidade desde 1988 e deve a sua fundação aos tuaregues.
Há escassos dias, a UNESCO declarara que o património de Tombuctu estava em risco - ontem o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, alertou para a necessidade de o proteger das contendas políticas e apelou à paz na região.
O Afeganistão africano
Tombuctu, ou antes todo o Norte do Mali - que é com frequência mencionado como o Afeganistão de África - está em guerra. Os líderes separatistas da região tuaregue (que se estende a áreas da Nigéria, Argélia e da Líbia) declararam a independência, aproveitando a tentativa de golpe de Estado em Março na capital, Bamako. O Mali tem um governo de transição, mas o vazio de poder foi aproveitado pelos grupos armados islamistas que já dominam grande parte do Norte tuaregue.
Estima-se que as forças separatistas rondem os 3000 homens, sendo os islamistas cerca de 200. Estes estão, porém, melhor armados e organizados - a Ansar ed-Dine terá ligações à Al-Qaeda. O seu líder é Iyad Ghaly, de uma família influente do Norte e que participou noutros golpes de Estado. A Ansar ed-Dine quer dominar todo o país; o movimento de libertação tuaregue diz-se uma organização laica.
Com a situação longe de uma solução, a urgência é preservar o património histórico, embora isso pareça tudo menos garantido. Além do património edificado, em Tombuctu há mais de 700 mil manuscritos da época de ouro da cidade, os séculos XV e XVI.
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