domingo, 1 de julho de 2012

EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

Crónica publicada no Jornal Público de 30.06.2012:

Debate
Professores
Por Ana Benavente

Passam os anos, sucedem-se os governos, fala-se da importância da educação, apregoa-se na "Estratégia de Lisboa" (União Europeia) a economia do conhecimento e chegamos hoje a um estranho momento. Em democracia, assistimos à destruição da escola pública, ao aumento das desigualdades e tudo (isto) sob a aparência de uma "falsa" racionalidade que mais não é do que ideologia conservadora. São os mega-agrupamentos, o Estatuto do Aluno fixando bem nos olhos os mais pobres, é a exclusão na ordem do dia, são os curricula que afastam todas as áreas que não correspondam a disciplinas tradicionais (de há dois séculos, atenção). Mas vou dirigir-me aos professores, cuja acção é decisiva na escola e que vivem, também, dias difíceis, de desvalorização e de desemprego.

1. Em 1995, a palavra de ordem do Governo de A. Guterres era a de "fazer as pazes com os professores". Por duas razões: porque os anteriores governos do PSD tinham bloqueado as suas carreiras, havia muito descontentamento e tensão, e, segunda razão, porque é importante valorizar a profissão docente se queremos educação de qualidade. Uma iniciativa, há muito esquecida, a da apresentação ao Parlamento e a todos os parceiros, do "Pacto Educativo para o Futuro" (procurando "estabilizar" algumas dimensões estruturantes da instituição escolar para além dos partidos e das equipas governamentais), previa a valorização dos professores e da sua acção.

Tal "Pacto" foi recusado pelo Parlamento e continuámos com o "faz e desfaz" que caracteriza a realidade educativa.

2. Nos finais dos anos 90, os professores de todos os graus de ensino passaram a ter uma formação inicial com nível de licenciatura, acabando com a desvalorização do 1.º ciclo, ciclo vital para todas as aprendizagens. Desenvolveu-se a formação contínua e reconheceram-se novas modalidades mais centradas na escola. Foram parceiros na construção de "boas práticas" e temos hoje uma escola com bons professores (muito bons, bons e menos bons, como noutras profissões). Mas a OCDE - que não é suspeita de ser "filha de Rousseau" - divulgou, num dos seus estudos comparativos, que Portugal é um dos países em que a relação professor-aluno é mais positiva e em que estes mais reconhecem a competência dos seus docentes. Afirmação pouco divulgada junto da opinião pública.

3. Nos anos 2000, com o regresso ao governo do PSD e, mais tarde, do PS de Sócrates, o Ministério da Educação aliou-se a pais e a autarcas. "Dispensou" qualquer acordo com os docentes, tornando-os os "bombos da festa" a propósito de um modelo burocrático e insólito de avaliação docente. A opinião pública suspeitou que afinal "eles" não queriam era ser avaliados. Isso fez mal à profissão. Foram milhares de professores que então saíram à rua e a tal avaliação foi-se enrolando, as escolas cada vez mais burocratizadas, a acção docente menos valorizada. Mantenho a convicção de que o diálogo é fundamental para a acção docente e para a vida das escolas. Um decreto não cria uma boa escola, (mas) porém pode destruir muito trabalho positivo. A acção dos professores faz toda a diferença entre exclusão e integração, entre ignorância e conhecimento. Mas, para isso, há que apoiar, acompanhar e avaliar todas as dimensões da vida educativa.

4. Agora, de há um ano para cá, com o PSD/CDS no governo e com a crise como álibi (que jeito dá o medo que tudo invade), cada dia traz o seu lote de medidas para condicionar as escolas. Sem negociações, sem avaliações, nada. Pura ideologia. Com cifrões nos olhos: aumentam o número de alunos por turma, diminuem as horas atribuídas às escolas para actividades físicas, impõem exames finais nacionais, desde o 4.º ano de escolaridade. Obrigam, assim, os professores a orientarem o seu trabalho segundo esta avaliação. Uniforme. O ministério não presta contas, não prepara as medidas que impõe, surpreende os docentes com contagens de tempo que os penalizam e prepara um futuro assustador.

Até a OCDE deve estar admirada com tamanho ímpeto legislativo ad hoc.

Que ricos somos nós, com milhares de professores desempregados, desprezando o saber, o conhecimento e a qualificação!
(FIM)

NOTA: O bold e o sublinhado são da minha autoria.

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