segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

NÃO INVESTIR NA CULTURA É AGRAVAR A CRISE

Jornal Público
24.01.2011
EspaçoPúblico
José Jorge Letria
(Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores)

Portugal precisa de mais talento, mais criatividade e sonho e de muito menos rotundas e inaugurações "para retrato"

Erra clamorosamente quem teima em ver cultura como um mero adorno eleitoral, um capricho de elites ou um elemento de pouca relevância para o desenvolvimento do nosso país. O peso da economia da cultura nos PIB nacional e mundial ultrapassa, por exemplo, o da indústria do futebol. Por isso, a cultura exige um investimento estratégico e uma aposta programática, já que gera emprego, riqueza material e espiritual, receita fiscal, coesão nacional e prestígio internacional. Negar esta evidência é negar a própria realidade.
Nas últimas décadas, a cultura contribuiu decisivamente para a requalificação de cidades como Liverpool (a Tate Gallery, O Maritime Museum e o desenvolvimento cultural e turístico do conceito City of the Beatles) ou Bilbau (o Muaseu Guggenheim), que enfrentavam graves crises resultantes de modificações estruturais nos seus modelos de desenvolvimento. Equipamentos e circuitos culturais articulados com a oferta turística atraíram e fidelizaram públicos nacionais e estrangeiros e passaram a gerar receitas que fizeram progredir as comunidades locais e regionais.
Não basta programar eventos culturais. É preciso delinear e tornar sustentáveis verdadeiras políticas culturais que levem em conta múltiplos factores, desde logo de natureza sociológica. Infelizmente, Portugal não tem essa tradição.
A chamada "classe política", mesmo a que tem hábitos culturais, é, em regra, pouco culta, mesmo que leia livros, veja filmes e vá ao teatro e a concertos. Uma coisa é ter hábitos culturais e outra é perceber que a cultura pode e deve ser um elemento estruturante da vida de um país. E não vale a pena argumentar dizendo que existem outras necessidades que a crise torna prioritárias. Mesmo que tal perspectiva seja aceitável, isso não desculpabiliza os que negam à economia da cultura a importância  que de facto tem, designadamente para ajudar a superar crises de grande magnitude. tinha razão François Mitterrand quando, interrogado por jornalistas sobre o nome do ministro da Cultura do seu primeiro Governo, respondeu: "No meu governo todos são ministros da Cultura". Chegará o dia em que um primeiro-ministro português possa produzir semelhante afirmação?
Apoiar a cultura não é apenas conseguir, com esforço, mais umas "migalhas" no Orçamento do Estado ou mo das autarquias. É urgente que os decisores políticos de topo percebam que, sem autores e artistas, terão um país cada vez mais pobre, desestruturado, de cidadania débil e sem esperança no futuro.
O fracasso da política do betão, que marcou as décadas de oitenta e noventa do século XX em Portugal, veio demonstrar à sociedade que não existe progresso material sustentável se não for acompanhado pelo progresso moral e espiritual. Portugal precisa de um quadro legal que defenda, de facto, os direitos dos seu autores, precisa de mais orquestras e mais companhias de teatro espelhadas pelo país, precisa de mais respeito pelo seu magnífico património edificado. E preciosa, sobretudo, de meios para investir no que tem futuro, sem deixar que todos os meses emigrem para múltiplos destinos, dom regresso mais do que duvidoso, jovens artistas, autores e cientistas. Portugal precisa de mais talento, mais criatividade e mais sonho e de muito menos rotundas e de muito menos inaugurações "para retrato". Portugal precisa, afinal, de apostar naquilo que o honra e dignifica, por ser perene e enriquecedor da cidadania e da entidade colectiva.
Então e a crise, que é essencialmente económica, financeira e consequentemente social? É justamente por estarmos a vivê-la e a sofrê-la que se justificam posições como a que se assume neste texto, por que a cultura tem um reconhecido potencial que está por explorar de forma consistente e organizada. Além de ter respostas a dar no presente, ela é, essencialmente, uma garantia de futuro, principalmente se a associarmos a uma verdadeira política de defesa e promoção da nossa língua e se soubermos articular com a oferta turística e com uma dinâmica económica que envolva a exportação de bens culturais. A Presidente do Brasil, no discurso de tomada de posse, apontou o investimento na cultura e o apoio à exportação da música ede outras formas de expressão artística como uma das prioridades do seu Governo. será que o facto de termos uma língua comum não poderá contribuir para que essa mensagem chegue a Portugal e seja compreendida enquanto ainda é tempo?

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