quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Qual é o caminho que Portugal quer seguir?

In "Jornal Público" de 05.01.2012

Qual é o caminho que Portugal quer seguir?

Por Domingos Ferreira

Debate A crise do euro e o futuro

A ideia de que mais de uma dúzia de países poderia viver permanentemente numa união monetária sem uma apertada harmonização fiscal e política revelou-se irrealista devido à divergência económica, social, política e, talvez mais importante, cultural. Compreensivelmente, o momento de adesão foi de orgulho para os portugueses, uma vez que puderam juntar-se à Europa moderna e desenvolvida. Neste contexto, o futuro de Portugal desenhava-se promissoramente dourado. Porém, embora os portugueses defendam convictamente que a união monetária europeia pode ter sucesso, a permanência de Portugal nesta união levanta-nos sérias preocupações.

Alegam estes que se uma única moeda funciona nos EUA por que não há-de funcionar na UE? Nos EUA existe uma apertada união fiscal, política e legislativa, ao contrário da UE. Por um lado, quando alguns estados pobres como o Mississípi ou a Luisiana necessitam de apoio financeiro dos estados mais ricos como Nova Iorque ou Califórnia, estas transferências de apoio são obrigatoriamente efectuadas. Acresce que, por força do figurino legislativo, ninguém, nem o governador de Nova Iorque, nem o da Califórnia, nem o próprio Presidente dos EUA, pode opor-se a estas transferências. Por outro lado, estes apoios financeiros não só não são empréstimos (pelo que não são reembolsáveis), como também ninguém pode colocar condições, designadamente, de redução de défice, medidas de austeridade, cortes nos salários, etc. Ora, é exactamente isto que falta à UE, em concreto, uma provisão para a transferência de fundos das nações mais ricas para as nações mais pobres, com a qual os líderes dos países mais ricos não só não possam mostrar-se indisponíveis ou relutantes para efectuare essas transferências, mas também os impeçam de impor a essas nações inaceitáveis condições de empréstimo (juros agiotas, austeridade, etc.) da conveniência dos países emprestadores, tal como se tem verificado na actuação da chanceler alemã. Por último, a cultura de mobilidade geográfica nos EUA permite que as populações se desloquem facilmente dos estados em dificuldade para os estados mais prósperos, onde haja mais e melhores oportunidades de vida. Dado que a língua e a cultura é a mesma em todos os estados, não se colocam problemas de integração. Assim, nos EUA esta mobilidade não só é bem aceite como é mesmo encorajada, ao contrário da UE, onde, embora seja legal a emigração entre os países da UE, não é, contudo, tão fácil a integração.

Desta forma, o que poderá Portugal fazer? Assumindo que Portugal elege como objectivo a sua permanência no euro, há várias questões que deverá enfrentar. Dessas questões, a mais importante é a falta de competitividade das empresas portuguesas em virtude dos seus elevados preços. A razão está obviamente na "armadilha do euro", dado este não poder flutuar relativamente a outras moedas, permitindo desse modo o ajustamento natural dos preços aos mercados. Apesar do euro caro ser muito conveniente às economias do Norte da Europa, que apresenta produtos não-comparáveis de elevada qualidade (Mercedes, BMW, Gucci, Prada, etc.), não é, todavia, adequado para os países com economias menos competitivas como a portuguesa. Não é despicienda ainda a questão da fraca procura doméstica portuguesa resultante quer das sucessivas vagas punitivas de medidas de austeridade, quer da pequena dimensão do mercado interno. Neste sentido, o facto de cerca de 65% da procura nacional resultar de compras do Governo torna fácil compreeender o impacto da forte contenção orçamental na economia nacional. Se a tudo isto somarmos o fortíssimo aumento da carga fiscal, bem como os pesados cortes nos salários do sector público, o resultado é inevitavelmente uma espiral negativa recessiva.

Ironicamente, a estabilidade financeira tão desejada pelo Governo português revelar-se-á uma ilusão à medida que o país caminha inexoravelmente para uma espiral deflacionária, onde as empresas morrem ou encolhem, com as consequentes e constantes quedas na receita fiscal, agravando ainda mais o défice (mais ainda do que aquele existente antes da implementação das medidas de austeridade). Desta maneira, haverá muito poucas empresas a quem taxar. Pode-se assim concluir que a tentativa do Governo português de controlar o défice e a dívida com cortes nos salários dos funcionários públicos e na despesa e com o fortíssimo aumento de todos os impostos, tudo em simultâneo, no fim, revelar-se-á completamente ineficiente e resultará no downgrade quer dos bancos, quer da dívida pública e, subsequentemente, no aumento incomportável dos juros.

Neste sentido, é pertinente perguntar: como pode Portugal sair deste lamaçal? O caminho a prosseguir para o crescimento económico, o qual não tem sido suficientemente aflorado, envolve a comercialização de novos produtos portugueses e de outros já existentes nos mercados emergentes. Estamos convictos de que este será o objectivo mais promissor para o futuro das empresas portuguesas, embora exija não só uma nova forma de pensar, mas também uma nova predisposição e abertura a novos conceitos e culturas. Felizmente, observamos esta predisposição entre as gerações mais novas. Num recente artigo intitulado How Portugal Can Grow, publicado na Forbes Magazine (Novembro 2011), Peter Cohan, orador convidado da Silicon Valley Comes to Lisbon Conference, realizada recentemente em Lisboa, refere o seguinte: "O maior desafio que os portugueses enfrentam é a sua cultura de inércia. Ao contrário da Índia, em que os empreendedores não hesitam em apanhar um avião e voar até Silicon Valley para obter o capital necessário para as suas start-ups. Ora, os jovens empreendedores portugueses ainda não mostraram que também o podem fazer. Contudo, baseado nas dezenas de jovens empresários que eu conheci nesta conferência, verifico que há uma quantidade significativa de energia, paixão e elevado conhecimento tecnológico de nível mundial que tem saído das universidades portuguesas".

Por isso, Portugal necessita de uma mudança na sua cultura de inércia, baixa auto-estima e baixa autoconfiança e deverá colocar as seguintes questões: o que é que nós sabemos fazer bem? E quais são as aspectos culturais que, embora nos tenham servido muito bem ao longo de séculos, não servem neste mundo globalizado, caracterizado por descontinuidades, imprevisibilidades e mudanças? Na nossa opinião, o futuro pertence às geracões mais novas, em virtude da sua predisposição para a inovação, conhecimento tecnológico e aos seus espíritos mais abertos. Acreditamos também que a geração mais velha - o grupo de orientação internacional que constituem as elites dos negócios, das universidades e do Governo - podem desempenhar um papel fundamental nas mudanças culturais necessárias, dado possuírem a vantagem de terem viajado e vivido em diferentes culturas e, deste modo, terem observado o que e por que funciona bem noutros países e aquilo que não funciona bem. Fortemente apetrechados com estes conhecimentos, quando voltam a Portugal, estão em posição de implementar as necessárias mudanças na cultura, mantendo, no entanto, aqueles aspectos da cultura nacional que representa o melhor que o país tem para oferecer.

Na nossa perspectiva, Portugal está na mesma encruzilhada que se encontrava a Inglaterra depois da II Guerra Mundial. Depois de os nazis e de os japoneses terem sido derrotados e a paz restaurada, o Império Britânico foi confrontado com a independência das suas colónias. Todavia, as elites britânicas recusaram-se a aceitar a nova realidade e as dramáticas mudanças para o Império. Desta maneira o povo inglês assitiu impotentemente à queda da sua influência, poder, riqueza e competitividade a todos os níveis, pagando um elevado preço em termos de diminuição do seu nível de vida e autoconfiança na nova ordem mundial. Assim, a questão que aqui colocamos é: qual o caminho que Portugal quer seguir?

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